Abuso Sexual: um segredo presente em muitas famílias
Em que contexto acontece o abuso sexual?
O abuso sexual é uma violência que sempre esteve presente em nossa sociedade, devido aos danos que acarreta e as recorrências serem elevadas; existem estudos, intervenções legais e sociais para prevenção do abuso.
No entanto, pesquisas apresentadas pela Unicef apontam que o número de casos só aumenta e que ultrapassa ocorrências registradas.
A maioria dos casos de abuso sexual acontece no contexto familiar e o pai sendo o abusador. Na minoria dos casos é um outro membro da família, como mães, tios, primos, irmãos mais velhos, ou ainda vizinhos e amigos próximos da família. Como normalmente existe um vículo do abusador com a criança, alguns fatores influenciam a manutenção do segredo do abuso sexual.

Motivos que mantém o abuso sexual em segredo?
No processo individual da criança que sofre abuso sexual pode-se observar a síndrome do segredo que é determinada por alguns fatores como:
- Não é em todos os casos que a evidência médica está disponível, as marcas físicas e psicológicas são de difícil comprovação, tanto no momento do abuso como na vida adulta, o que dificulta uma prova jurídica.
- As pessoas que cometem abuso tendem a não confessar o crime, as crianças que sofrem abuso por tempo prolongado costumam ser ameaçadas e não tem coragem de revelar, por medo do que pode acontecer consigo, com a sua família e com o abusador.
- No caso de crianças que sofrem abuso durante um longo período, elas normalmente tentam comunicar o abuso a uma pessoa dentro ou fora da família, até profissionais que deveriam validar a fala da criança; acontece de não avaliar de forma correta, a criança passa a ser chamada de mentirosa e costuma receber castigo pela revelação.
- O abusador tende a mentir com ameaças para a criança não contar sobre o que acontece entre eles durante o abuso, é um segredo do abusador e da criança e normalmente é reforçado pela violência e ameaças de castigo.
- A criança sofre de ansiedade em relação ao que pode acontecer após a revelação, o abusador ameaça tirar a vida da criança ou a própria vida, que irá causar a separação dos pais, ou a desintegração da família. Culpabiliza a criança de toda consequência decorrente de uma possível revelação.
- As crianças tendem a mentir ou negar o abuso por medo de serem castigadas e de não serem protegidas.
- Quando a criança consegue contar sobre o abuso para algum membro da família, muitas vezes nenhuma providência é tomada e a informação é mantida em silêncio e sigilo, como se nada tivesse ocorrido ou como se fosse mentira da criança.
Como o abusador envolve a criança no abuso sexual?
O ritual do abusador para envolver a criança na relação de abuso é realizado com a intenção do mesmo de anular o ato do abuso e acontece da seguinte forma:
- Contexto do abuso – o abusador procura criar um ambiente que anule a realidade externa do abuso. De acordo com os relatos das crianças o abuso acontece em silêncio, sem qualquer contato visual, em ambientes escuros ou fechados ou em momentos que o abusador está sozinho com a criança em casa.
- Pela transformação da pessoa que abusa em “outra pessoa” – o abusador que normalmente é uma pessoa de confiança e do convívio da criança que sofre abuso, costuma utilizar um tom de voz alterado, uma outra linguagem e um comportamento físico diferente do habitual.
- Ritual de entrar e sair da cena do abuso para anulação do ato – é a parte central da relação do abusador com a criança abusada como síndrome do segredo, a figura de confiança e afetuosa da criança sai desse papel e passa a ser “outra pessoa”, a que viola os seus direitos e sua integridade, sai do ato do abuso e volta a assumir o papel da figura de confiança e afetuosa.
- Esse ritual tem a intenção de dissociar a figura de confiança (membro da família) do ato de abuso, como se dessa forma pudesse anular o abuso, esse período de tempo entre a entrada e saída do abuso e o ambiente que ocorre, leva o abusador e a criança a cortar essa experiência da realidade, como se o abuso não tivesse acontecido.
Como as crianças tentam sobreviver ao abuso?
Algumas das tentativas das crianças em anular, esquecer ou apagar da sua história o abuso sexual sofrido:
- Algumas crianças imaginam que não são elas as envolvidas no ato, tentam perceber essa realidade como uma experiência distante e que não aconteceu com elas.
- Outras alteram seu estado de consciência como se estivessem dormindo.
- Uma outra tentativa da criança é de normalizar e fingir que durante a ocorrência do ato abusivo as suas partes íntimas não existem.

Desdobramentos do segredo do abuso sexual
A criança, por não conseguir contar sobre o abuso sexual, ou aquela que consegue contar para alguém da família ou para um profissional que não valida e que ajuda a família a manter em sigilo a ocorrência do abuso cresce se sentindo solitária, não compreendida e se relacionando com as pessoas em um modelo relacional abusivo, ela tem dificuldade de identificar um ambiente seguro e uma relação abusiva.
As mães que ficam sabendo que o filho(a) está sendo ou foi abusado mantém sigilo na maioria dos casos por dependerem financeiramente e emocionalmente do pai ou padrasto, por não saberem lidar com a situação, por desejarem esquecer e acreditar que nada aconteceu, por medo das consequências, conflitos familiares ou mesmo por medo de afetar a unidade da família.
Impactos na vida adulta de quem sofre abuso sexual na infância
Essas pessoas acabam em situações precárias, têm dificuldades de conseguir trabalho e relações saudáveis, devido a depreciação de si mesmo e repetidos envolvimentos em situações e relações abusivas no decorrer do seu processo, ficam com suas possibilidades limitadas e prejudicada em seu desenvolvimento psicoemocional e sexual.
Na minha experiência clínica, adultos com histórico de abuso sexual tendem a apresentar sintomas físico ou emocional como depressão ou síndrome do pânico ou envolvimento recorrente em relações abusivas, angústias, ansiedades, vitimização e agressividade que as impedem de seguir em frente em seus projetos de vida pessoal e profissional ou ainda com alguma doença psicossomática.
Qual o risco de não saber conduzir uma demanda de abuso sexual?
Com o número de ocorrências de abuso sexual certamente o psicólogo ou terapeuta familiar sistêmico receberá na clínica uma pessoa com histórico de abuso sexual. Se esse profissional não souber conduzir o tratamento, corre o risco de focar em tratar o sintoma e não tratar a causa.
É semelhante ao tratamento paliativo para a pessoa suportar o sofrimento. É como tratar uma sequela com uma medicação para aliviar a dor e não para tratar o que causa a dor.